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Por Sergio Resende | Trê Investindo com Causa

Estou fechando minha jornada em SEKEM com uma enorme dificuldade de escolher o que contar para vocês sobre os últimos dias aqui. Conto sobre a visita, acompanhado pelos vendedores de SEKEM ao Hype1 (uma grande rede de supermercado), para ver o posicionamento dos produtos SEKEM na prateleira e sobre como fui recebido pelos gerentes com pompas e honras? Ou da minha emoção ao ver a apresentação do teatro de sombras dos alunos da 5ª série da escola para os filhos dos colaboradores para a comunidade local? 

Talvez seja melhor contar sobre a conversa com o diretor de finanças do grupo, em que ele explicou a crise econômica no Egito e como a sequência de desvalorização da moeda egípcia afetou os resultados das empresas nos últimos anos – especialmente no ano passado com uma variação de 16 EGP/1 EURO para 50 EGP/1 EURO e, como ainda assim, 10% dos lucros vão para a fundação e as associações integradas ao grupo SEKEM. Ou, quem sabe, contar como foi minha experiência ao participar, com colaboradores da fábrica, da vivência de “desenho de formas, uma parte dos 10% do tempo do colaborador dedicado à arte e autodesenvolvimento?

Não poderia deixar de contar como os prédios das fábricas, e as casas da ecovila, estão harmoniosamente integrados à natureza e que diferença isto faz num país como o Egito.

Bem, mas vamos ser práticos! O que é importante ver, compreender ou aprender sobre SEKEM? 

Mostafa, o vendedor que me levou ao Hyper1, entrou para o time de SEKEM há oito meses. Ele me contou que está bem contente com o novo emprego:

Sergio: Mostafa, what is SEKEM for you in a short sentence? (Mostafa, o que é a SEKEM para você em uma frase curta?)

Mostafa: SEKEM is about building communities (SEKEM é sobre construir comunidades).

Eu já tinha ouvido isto de várias outras pessoas da direção, mas honestamente não esperava de pronto de um vendedor recém chegado e que passa boa parte de seu dia visitando clientes. Mas vamos lembrar que antes de começar suas visitas, Mostafa participa do “Morning Circle”. Não só ele, mas todos, de todas as empresas, escolas e associações. 

O dia em SEKEM começa com um círculo no qual podem se ver e se perceber como parte de um todo. Os círculos variam um pouco de formato, mas em todos, algum aprendizado ou sabedoria será compartilhado. Participei, na maioria das manhãs, às 6:30hs, de um dos círculos no qual se reúnem membros do Conselho do Futuro, moradores fixos e temporários da ecovila e Helmy Abloulish, cofundador e CEO de SEKEM.

Não vou simplificar dizendo que as pessoas se sentem fazendo parte de uma comunidade só por causa do círculo, mas posso afirmar com tranquilidade que no centro dos princípios de SEKEM está presente a ideia de formar comunidades. O “Morning Circle” é apenas um dos mecanismos que suportam este princípio para dentro e para fora da organização e do país. 

Já estava sem graça com tanto apoio para os agendamentos de conversas, mas Regina, uma das pioneiras, me respondeu que estão conscientes de investir bastante tempo em construir relacionamentos. E vi isto acontecer muito. Não foram poucas as situações nas quais dividi a mesa de refeições com outros visitantes internacionais, parceiros ou potenciais parceiros. 

Samuel, um jovem alemão que trabalha na área de exportação da Lotus, empresa do grupo que faz o processamento e secagem de ervas, comenta que, em alguns casos, novos compradores internacionais demoram para entender que fazer negócio com SEKEM não é sobre um braço de ferro de comprar e vender, mas sim sobre formar uma comunidade na qual fazer negócios é um meio e não um fim

Para além da comunidade local, é possível enxergar uma potente comunidade mundial SEKEM construída grão por grão de areia ao longo dos seus 48 anos. 

Seguindo na pergunta sobre o que podemos ver, compreender ou aprender sobre SEKEM, precisamos olhar para a ideia de unfold potential, que aparece escrito na placa da Universidade Heliópolis, um dos empreendimentos do grupo. 

Conta a lenda, e vários me contaram, que o fundador Ibrahim Aboulish, pai de Helmy, costumava pedir para as pessoas realizarem atividades, ou coordenarem projetos, que elas não se consideravam aptas a fazer. Ele tinha uma especial capacidade de observar as pessoas e desafiá-las, com precisão, cuidado e generosidade. Isto permanece na cultura, mesmo após sua morte. Assim é que podemos ver Nihal conduzindo as oficinas de desenho de forma dos colaboradores, quando ela mesma ainda está aprendendo. 

SEKEM não é um lugar para se estudar muito sobre algo e então começar a fazer, é um lugar para começar a fazer e então aprender. O fazer a serviço é o meio de desvelar, desdobrar e desenvolver o potencial de cada pessoa e de cada empreendimento. Isto explica, o que já contei no texto anterior, sobre o método de ensino e pesquisa da Universidade Heliópolis. 

Até recentemente 90% dos produtos SEKEM eram comercializados no mercado interno, no qual são líderes em praticamente toda a linha de chás, azeite e mel. Com a constante desvalorização da moeda, tornou-se vital ampliar as exportações para cumprir com os financiamentos em EURO. As exportações cresceram e representam hoje cerca de 50% das vendas. Os principais compradores são países da Europa, nos quais o selo Démeter é mais conhecido e significa altíssima qualidade. Mas não é sobre disputa de mercado, ainda que na prateleira do mercado ela exista, é sobre produzir alimentos que são bons para a saúde do ser humano e do planeta.  

Então chegamos a três pontos nos quais podemos ver o esforço de SEKEM para atuar sistemicamente, de acordo com a natureza trimembrada da sociedade: na produção de alimentos, na formação de comunidades e no desenvolvimento das capacidades humanas.

Todos os empreendimentos têm sua própria estrutura, equipe, planos e quando você olha para eles isoladamente não vê uma grande complexidade – produção agrícola, processamento, distribuição, escolas, ONGs, etc. Mas quando olha para o entrelaçamento entre os empreendimentos: os projetos de desenvolvimento dos colaboradores, dos agricultores, das práticas agrícolas, dos estudantes desde o jardim da infância até a universidade, os estágios dos estudantes, as pesquisas, o desenvolvimento local, a certificação, o microcrédito, o crédito de carbono, o plano detalhado em torno dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, etc. – aí vemos uma organização extremamente sofisticada. 

Não vou aborrecê-los com detalhes sobre a estrutura jurídica, mas preciso destacar singularidade: os pioneiros criaram na Alemanha uma sociedade de benefício, para a qual transferiram todas as suas ações, de tal forma que a empresa hoje pertence a si mesma, semelhante ao modelo desteward ownership adotado por empresas como como a Bosch, Zeiss e Novo Nordisk.

Você pode estar achando SEKEM incrível ou que estou iludido. Poderia, mas não estou. Passei aqui três semanas, nesta que é a minha quarta visita, e entrevistei muita gente. SEKEM não é perfeita, nem poderia. Fiz um relatório para eles, utilizando o método que temos na Thyme, no qual apresentei cinco pontos nos quais observei tensões culturais, ou seja, pontos sobre os quais as pessoas divergem entre como gostariam que fossem as coisas e como são na realidade. Nenhum destes pontos tira o brilho de tudo que escrevi nestes dois relatos. E afinal, para eles “better done than perfect” (melhor feito do que perfeito, em português). 

SEKEM é replicável? Obviamente não. Mas criar uma proposta original, inspirada em alguns ou vários de seus fundamentos, atendendo às peculiaridades e necessidades do Brasil, absolutamente sim! E em breve espero me encontrar com realizadores inquiethos certos para isto, como vários que encontrei aqui, com olhos de ver e coragem de fazer.

Saio daqui animado, com articulações para a Certificação da Economia do Amor e também para intercâmbio de estudantes da Universidade de Heliópolis na Fazenda Volkmann, que produz arroz biodinâmico, no Rio Grande do Sul (obrigado Felipe Mendes por abrir a porta com o João Volkmann e João pela prontidão). Também saio com muitos novos amigos do coração em SEKEM.  

Minhas próximas paradas serão Naturasi e Damanhur na Itália. Já já volto com minhas impressões.

Abraços e beijos. 

Até já,

Sergio Resende


Sergio Resende é cofundador da Thyme - Evolução Cultural, na qual atua como consultor de cultura organizacional e coach de executivos. É também cofundador  e diretor da Trê Investindo com Causa. Há 25 anos, dedica-se a entender o ser humano em seu contexto de trabalho e a promover o desenvolvimento de indivíduos livres e organizações saudáveis. Nos primeiros meses de 2025, Sergio embarca em uma Jornada de Pesquisa internacional, em busca de inspirações para o futuro de nossa sociedade e a construção de uma Nova Economia. 

Acompanhe o Sergio nessa viagem na seção Jornadas do blog da Trê.

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